06 outubro 2009

Contradições da democracia

Nao sei quem escreveu, mas da que pensar ...
Um abraco,
Natália

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"Isto para compartilhar convosco duas perplexidades que me surgiram na
sequência do acto eleitoral de ontem.

A primeira é algo que, sendo aparentemente risível, não deixa de
causar alguma estranheza:
Todos os partidos à excepção do PS subiram em número de mandatos.
- O PSD passou de 72 deputados para 78 (e ainda deve ficar com mais 2
ou 3 dos círculos da emigração)
- A CDU passou de 14 para 15 deputados.
- O CDS de 12 para 21
- O BE de 8 para 16

Só o PS passou de 120 para 96 (embora seja sejam previsíveis mais 1 ou
2 da emigração)

Significa isto que só perdeu o partido que ganhou e que, em
compensação, ganharam todos os que perderam!

Mas como o que perdeu ganhou, ficou muito feliz, e como os que
perderam ganharam, mais felizes ficaram!
Confusos? Não se preocupem, é caso para isso. :P Podem ficar confusos,
mas ao menos estarão certamente felizes, porque ganharam! Ganharam
seja qual for o partido em que votaram e, mesmo que não tenham votado,
ganharam na mesma, porque a abstenção também subiu!

Que pena não haver eleições todos os dias, porque teríamos um país
muito mais feliz e menos deprimido.

A segunda nota é menos risível e faz-me sentir defraudado.
Eu já sabia que o nosso sistema não é directamente proporcional o que
sempre foi algo que me fez confusão, mas havia um pouco a ideia de que
o método de Hondt, não sendo totalmente proporcional, o que a mim me
parece sempre uma injustiça, teria pelo menos a vantagem de, ao
beneficiar normalmente os partidos grandes, favorecer as maiorias e
consequentemente a "estabilidade" do país. Repito, sempre me pareceu
um processo enviesado de fazer democracia, mas até já me tinha
habituado à ideia.

Desta vez descobri que até entre partidos menores e de grandeza
equivalente este nosso sistema é tão pouco proporcional que permite
desvios deste género:

O BE com 557.109 votos elegeu 16 deputados
O CDS com 592.064 votos elegeu 21
O PCP-PEV com 446.174 votos conseguiu 15 mandatos

Significa isto que o "custo" de cada deputado do BE é de 34.819 votos
(557.109 / 16).
Já os deputados do PCP-PEV são mais "baratos": cada deputado fica pela
módica quantia de 29.745 votos (592.064 / 21).
Mas os deputados do CDS então, estão autenticamente em saldo: cada um
fica pela bagatela de 28.193 eleitores (446.174 / 15).

Ou seja, cada deputado do BE "custa" mais 6.625 votos do que um do CDS.
E olhem que 6.622 pessoas é bem mais que a média de assistentes nos
estádios portugueses na primeira liga.

Se virmos de outra forma, ainda a diferença é mais marcante.
Considerando que a diferença entre o CDS e o BE é de 34.955 votos a
favor do primeiro, tendo conseguido mais 5 deputados do que o segundo,
então concluiremos que cada um desses deputados "a mais" "custou"
6.991 votos (34.955 / 5).
Muito bem. Vejamos agora a diferença entre o BE e o PCP-PEV. O BE teve
mais 110.935 votos. O que significa que, relativamente ao PCP-PEV, o
deputado "a mais" que BE teve "custou" 110.935 votos - aqui não tem de
se fazer contas porque dividir por um fica igual. :P

Isto significa apenas uma coisa. O voto de alguns portugueses vale bem
mais do que o de outros! Parafraseando o impagável Rui Santos: "Mas
que raio de democracia é esta?!"

Tudo isto decorre de uma pretensa representatividade por círculos
eleitorais. Mas a verdade é que em Portugal nem sequer existe a
eleição por círculos uninominais, onde cada eleito é representante
directo da região em que é eleito, podendo ser chamado a explicar-se
perante os eleitores do seu círculo.
Eu, por exemplo, para dizer a verdade, não conheço nem um dos cabeças
de lista (e os outros ainda menos) de qualquer um dos partidos
concorrentes pelo círculo da minha região, nem sequer o do partido em
que votei! E, como toda a gente sabe, a maior parte dos cabeças de
lista (pelo menos aqueles que estão em lugares elegíveis) nem sequer
são pessoas das regiões que representam, mas sim fulanos impostos
pelas máquinas partidárias. Mas não sei quem são nem me interessa!
Isto são eleições nacionais! O que eu pretendo com o meu voto é ter
uma palavra a dizer na orientação política do meu país, não da minha
região - para isso tenho as autárquicas.
Não faria mais sentido que a votação fosse directa e proporcional e
que um voto em Faro no partido A, valesse o mesmo que um voto em Vila
Real no Partido B ou um em Lisboa no partido C?

Ok, são as regras do jogo, eu sei. E pode acontecer a qualquer um. Por
isso mesmo, não se fiquem a rir aqueles que são apoiantes dos partidos
que agora foram mais beneficiados porque amanhã pode acontecer
exactamente o contrário.

Ora a democracia, parece-me a mim, não pode nem deve ser aleatória,
tipo: "ah, o meu voto vale mais ou menos consoante a sorte" ou "olha
que chato, por 3 votos o meu partido não elegeu nenhum deputado no meu
círculo e o meu voto foi totalmente inútil, em compensação, se eu
tivesse votado no círculo ao lado, tinha eleito um, porque o meu
partido ali ficou a um voto de eleger um deputado".

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